domingo, 3 de fevereiro de 2008

O meu carnaval


A chuva estragou-me os planos para o fim-de-semana. Tinha pensado aproveitar o carnaval e mascarar-me de patinho. O meu mordomo prometera levar-me à beira do rio, a uma praia lá para os lados de Alcochete. Espero que não a estraguem com o novo aeroporto porque é muito bem frequentada. Há lá uns passarinhos com um ar delicioso e eu uma ocasião quase conseguia dar uma dentadinha num, mas o ingrato largou a voar no penúltimo instante. Desta vez tinha tudo bem pensado. Se me esfregasse bem na areia, para tirar o cheiro, e com o focinho escondido num bico de pato acho que chegava lá.

Esta chuvinha irritante estragou tudo. Tirou-me brilho ao pêlo, roubou milhares de magníficos cheirinhos ao meu bairro e levou-me o almoço para parte incerta. Como aos domingos o tio David da churrascaria está fechado nem sequer posso consolar-me com um pedacinho de picanha. Esta manhã fiquei pois tão irritado que até li as notícias de política dos jornais, a ver se tirava a praia, a máscara de pato, o passarinho e a carninha da cabeça.

Comecei pelo "Público", um jornal que está a ficar quase perfeito (agora só precisa de trazer biscoitos em vez de livros como brinde, mas deixo aqui a dica). Logo na primeira página fiquei a saber da tragédia deste senhor da fotografia. Ele foi ministro não sei do quê e, para humano, nem deve ter tido uma vida muito má. Mas quando o senhor que é engenheiro chegou à casinha do poder este senhor passou a noite toda a trabalhar. Parece que escreveu o nome dele em mais de trezentos papéis. E não foi só o nome. O meu mordomo explicou-me que os "despachos" obrigam também os senhores a escrever pelo menos uma palavrinha, ou até uma pequena historieta da cabeça deles antes de assinarem. Contou-me ainda o mordomo, com ar de enfado por eu lhe estar a pedir tantas explicações, que é conveniente os senhores lerem primeiro muito bem aquela papelada toda que lhes dão para eles escreverem histórias em cima, porque às vezes há por lá "gato" (cruzes!) e com o rabo bem escondido (credo!).

Ao receber assim, sem estar minimamente preparado, a notícia da tenebrosa madrugada deste senhor fiquei com tanta pena dele que comecei a relativizar este fim-de-semana imbecil de cão que não pode aproveitar o carnaval. Vá lá que li na notícia que antes dessa madrugada o senhor que era ministro não sei do quê passou quinze dias sem pôr os pés no ministério que era a casinha dele. Fiquei mais consolado. Espero que o coitado tenha aproveitado para ir à praia.

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