terça-feira, 14 de outubro de 2008

Os problemas de liquidez


Li no Diário de Notícias, que é um jornal que explica sempre as coisas muito direitinhas, que "o Banco Português de Negócios (BPN) recorreu ontem à Caixa Geral de Depósitos (CGD) para resolver uma situação emergente de falta de liquidez. Segundo o DN apurou junto de fontes ligadas ao banco presidido por Miguel Cadilhe, o BPN contraiu um empréstimo de 200 milhões de euros junto do banco público, para poder responder aos compromissos mais imediatos da sua gestão".

A notícia impressionou-me muito. Não pelo montante do empréstimo, que eu não ligo a futilidades, mas porque sou muito sensível a problemas de falta de liquidez. Eu preciso muito de liquidez para controlar o meu bairro. É uma trabalheira. Preciso de liquidez para o corrimão da minha rua, para a porta da lavandaria que fica na esquina da minha rua, preciso de liquidez para a primeira árvore a seguir à passadeira dos bombeiros e para a segunda árvore à saída da passadeira dos bombeiros, preciso de mais liquidez para as escadinhas número três, quatro, sete e última que dão acesso ao snack da esquina, para o cantinho da rua por cima da escadaria, para as árvores todas até aos táxis, de mais liquidez ainda para marcar o território do bar onde costuma estar o palerma do Gingão, que é aquele labrador adolescente que tem a mania de querer falar comigo, e de liquidez de sobra para a segunda passadeira e para a calçada da Igreja, da porta da frente às traseiras passando pela alçada que é mais comprida do que eu cinquenta vezes.

Gasto tanta liquidez pelo caminho que quando chego à esplanada entro em gestão de activos líquidos. Levanto as minhas belas patas posteriores à vez, com o mesmo estilo mas maior avareza, para poder continuar a levantá-las as vezes todas recomendáveis a uma boa gestão do meu bairro. O pior é quando chega a hora do jardim. Ou o João e o Gi, que são os senhores da esplanada, me servem umas tacinhas de água de reforço, ou só com muita concentração cumpro as minhas obrigações para com aquela magnífica relvinha e os canteirinhos. Já dei comigo a pedir desculpa a um craveirinho: não te ofendas que amanhã, quando eu voltar, há-de chegar a tua vez.

O problema da falta de liquidez atormenta-me todos os dias desde muito novo. Eu sabia que um dia ia aparecer uma solução, mas não julguei que fosse preciso ter esperado tanto, até que as coisas ficassem todas de patas para o ar. Bem dizia o senhor ministro que fechava as urgências todas para se divertir que as crises são boas oportunidades. Até hoje preparei-me sempre para a falta de liquidez em casa, bebendo rapidamente cada bebedouro de água fresquinha que o meu mordomo me servia. Agora já sei que não é preciso sofrer tanto a inundar a minha sensível bexiga para depois ficar ansioso por sair de casa. Agora vou beber com a parcimónia adequada à minha raça e esperar que o meu mordomo se decida a largar o computador. Podemos até sair às três ou quatro da manhã. Basta-me uma pequena mudança de percurso. Quando atravessar para o outro lado da segunda passadeira, a seguir ao Gingão, viro à direita em vez de virar à esquerda. Nesse passeio há logo uma Caixa Geral de Depósitos. Entro o tempo necessário para apresentar as minhas garantias e só depois volto decidido para a esplanada, o jardim e o craveirinho.

domingo, 5 de outubro de 2008

O INFO-EXCLUÍDO

Bem sei que já não há dinheiro para aquelas obrinhas imprescindíveis do aeroporto e do TGV. Percebo que não vai dar jeito nenhum ficarmos sem aviões e comboios numa altura em que o gasóleo está tão caro e ninguém pode andar de carro a não ser aqui no meu bairro (mas isso é porque o meu bairro é de gente muito fina). E até sei, suprema desgraça, que o Sporting de Portugal perdeu com o clube espanhol do bairro de Carnide.

Mas talvez não fosse caso para este senhor decretar "o fim da prosperidade" e dizer que "acabou o Mundo tal como o conhecíamos". Fiquei tão intrigado com o apocalipse deste senhor tão simpático que roubei a agenda de contactos ao meu mordomo e investiguei pessoalmente o assunto. Ao cabo de dois telefonemas em off, três pressões e quatro ameaças de processo fiquei a saber tudo. Este senhor está triste porque não lhe deram um Magalhães para ele brincar, com a desculpa de que já não tem idade para se matricular numa escolinha primária.

Para ele foi um choque tremendo ter de continuar a trabalhar num gabinete de ministro sem o sofisticado controlo parental português que dá acesso gratuito a belas raparigas nuas do Mundo inteiro. Sentiu-se velho pela primeira vez na vida. Já estava muito triste quando ligou a televisão e viu os amigos todos a fazer serviço público. Foi então que, no seu íntimo, se apercebeu info-excluído da propaganda do Governo. O senhor chorou muito de desgosto durante dois dias e duas noites. Depois acordou e resolveu resistir à crise como o senhor que implicam com ele por ser engenheiro mandou que se resistisse. Vai daí vestiu uma túnica branca e saíu para a rua a preparar as eleições e a reforma.

domingo, 28 de setembro de 2008

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

QUE RICO CANTOR


O senhor com quem tanto implicam por ser engenheiro afinal gostava mesmo era de ser cantor. Acabo de o ver em Viana, uma terrinha deliciosa que eu conheço muito bem, a tentar cantarolar uns versinhos do Bob Dylan.

Foi na inauguração de uma fábrica daquelas ventoinhas gigantes que fazem concorrência à EDP. A fábrica, pareceu-me ouvir na televisão, é de uns senhores alemães. E este senhor gosta quase tanto de alemães como de venezuelanos da Venezuela ou de venezuelanos de Angola. Aquela patada do Ballack no nosso defesa antes de marcar o golo que nos eliminou no campeonato já está felizmente esquecida.

Sendo os senhores mais importantes da cerimónia uns senhores alemães, este senhor resolveu rematar o discurso dele em inglês técnico, esforçando-se muito para não retribuir a patada. Nada que me pudesse espantar. Mas, no finalzinho, fiquei totalmente deleitado quando ele saltou do inglês técnico para o americano de intervenção, um exercício arriscado para ele, se considerarmos que o Obama está quase mas ainda não roubou ao que lá está a casinha branca.

"The answer, my friend, is blowin in the wind, the answer is blowin in the wind", tentou ele cantar. Mas teve azar e o versinho saíu-lhe com aquela vozinha declarativa de sempre que fica tão gira no Gato Fedorento. Como eu gosto muito desta canção não resisto a deixar-lhe aqui outro versinho da mesma:

"How many ears must one man have
Before he can hear people cry?"

Não vá ele ter cantado de ouvido, sem saber a letra toda.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A COOPERAÇÃO INSTITUCIONAL

Eu tenho muitas dificuldades com a cooperação institucional. O meu mordomo, este Verão, levou-me para o Algarve com uns amigos dele e outro canito chamado Ruckie. Quando o vi entrar na mala do carro rosnei-lhe e passei a viagem a tentar arrumá-lo no lugar dele, que obviamente era do lado de fora. Quando ficámos os dois a sós pela primeira vez em casa, sem testemunhas, como convém, começou a violência doméstica. Eu tratei de tomar conta do sofá quando ele queria ir para o sofá e ele de ocupar o terraço quando eu queria ir para o terraço. Com o passar dos dias, cansados daquilo, optámos pela mútua ignorância. Foi a forma mais avançada de cooperação institucional que lográmos alcançar. Acho que não chegou para preencher os requisitos desse supremo entendimento entre dois seres vivos, para mim impensável, a que os biólogos chamam simbiose, mas foi o que se pôde arranjar.

É por isso que eu me comovia tanto com estes dois senhores. Eles eram sempre tão bonitos quando apareciam juntos. Sorrizinhos, abraços, palavras mimentas. Pareciam um casalinho enamorado, ainda por cima para nosso bem. Era até fascinante vê-los na televisão. Toda a gente lá aparecia a dizer mal desta vida, mas eles os dois não. Falavam de desafios, desígnios e oportunidades. Vendiam saúde, coragem e confiança a uma só voz. Aquilo era mesmo inspirador. Quando mostravam as imagens das reuniões deles comecei a baixar o som às reportagens para pôr a tocar aquela música tão bonita do Kenny Rogers e da Sheena Easton. O meu mordomo, quando chegava a casa, ficava muito aflito ao dar com umas lágrimas secas no meu lindo focinho, mas nunca soube a verdadeira razão. Eu também nunca lhe disse, por medo de abalar seriamente a profunda admiração que ele tem pelas minhas qualidades intelectuais e pelo meu faro político e porque posso ser um sentimentalão mas nunca deixo de ser um cão esperto. E quando o meu mordomo pensa que estou triste chovem os biscoitos e leva-me mais depressa à rua.

O drama é que deixei de saber que música hei-de eu pôr a tocar quando vejo estes senhores. Para começar, agora aparecem sempre separados. Mas se fosse só isso eu não estava tão preocupado com o nosso futuro. O pior é que o da direita começou a fazer comunicações ao país para falar mal do outro. Eu, que sei bem o que isso é, percebi bem o rosnar solene desses momentos. Depois, o senhor da esquerda começou a mandar os amigos dele responder ao outro. Ainda tive esperança que os dois trocassem uns bilhetinhos secretos e ultrapassassem as divergências para nosso bem. Mas não. Começaram os dois a devolver leis um ao outro.

Não prevejo nada de bom. Não sei porquê estes dois senhores fazem lembrar a minha história com o Gingão, um jovem labrador que me costuma aparecer a caminho da esplanada. De início ele rosnava e eu dava-lhe desprezo. Depois comecei a rosnar-lhe também. Até que um dia ele levantou-me as patas e eu dei-lhe uma trinca.



SILÊNCIO


Anda tudo aí a pedir para a avózinha quebrar o silêncio. Por mim, não preciso de histórias de encantar todas as noites para dormir tranquilo. Bom mesmo era que eles quase todos se calassem, para se poder ver televisão em paz. Podiam ser estes dois a começar, que são mais chatos do que aquele gato vadio da Rua da Verónica.



quinta-feira, 3 de julho de 2008

COMPRINHAS


Achei muito interessante a profecia do senhor sargentão dos aviões segundo a qual o shopping é que vai pagar o novo aeroporto.

Estou disposto a contribuir com a minha felina parte de fúria consumista para viabilizar um projecto tão importante. Basta que ponham lá umas lojinhas de biscoitinhos de carne e de ossinhos de pele de búfalo a preços low-cost.

Na verdade, ainda não sei onde irei desenterrar o dinheiro para pagar a minha prometida gula. Mas eles também não devem saber onde vão arranjar 3 mil milhões de moedas para construir duas pistas, as salinhas de embarque, as lojinhas e uma recepção VIP para mim.

Desconfio que vão desatar a plantar prédios muito grandes na Portela e a vendê-los até ao último andar. Mas terão mesmo de ser plantados, porque o senhor Costa que se mudou do Governo para a Praça do Município já disse que quer ver ali um jardim.

Deixem-me sonhar, que eu já estou a ver os manjericos nos terracinhos com vista para o rio e para a nova ponte. Sim, porque vai ser preciso uma ponte muito larga para as pessoas todas do Colombo poderem ir às compras ao aeroporto sem caírem ao rio
.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

A FÚRIA E O FURACÃO

Sou um cão sem complexos. E aquela cadelinha pastora alemã espanhola que conheci há uns meses era uma simpatia. Por isso, ontem fiquei alegrete.

Gostei sobretudo de ver aquela equipa de frigoríficos alemães agarradinha à relva, sem cheirar a bola. Viu-se agora que são uns electrodomésticos de classe D, que gastaram a energia toda a dar patadas no menino joãozinho de oiro e no nosso inadap(a)tado defesa esquerdo. Claro que devíamos ter sido nós a desligá-los da corrente. Mas os espanhóis têm um touro e eu, que não tenho cornos mas sou bem provido de dentes, não fui sequer convocado.

Pode ser que o furacão que levou o sargentinho ponha cá outro, mais esperto para a bola do que para outras coisas.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

QUERO JUSTIÇA!


Hoje estou furioso. Já contactei o primo do mordomo, que é advogado, para darmos entrada com um processo. Não pode é ser no tribunal da Casa Pia porque eu não tenho bolas de futebol para apresentar como prova, nem estou disposto a esperar quatro anos para que me resolvam o problema. O melhor é irmos direitos ao Tribunal de Justiça europeu, cuja jurisprudência me oferece mais garantias.

E o meu problema é que hoje o meu direito fundamental preferido foi ostensivamente violado. Isso mesmo. Foi-me negado o pleno usufruto do direito de qualquer cão a namorar uma cadelinha. Ia eu com o meu mordomo muito contentinho depois de comprarmos o jornal quando ela apareceu como um cometa no passeio. Os meus pêlos loirinhos estremeceram todos só de verem os pêlos branquinhos dela. Uma cadelinha da minha raça, de quatro anos e toda branquinha, como eu gosto, porque é sinal que não anda demasiado ao Sol e mantém uma conduta recatada digna dos mais ilustres dos nossos antepassados.

Que devia eu fazer a uma cadelinha que me entra no bairro à saída da adolescência? Namorá-la, claro. Primeiro com toda a cortesia, depois com toda a força. Foi o que fiz. Apresentei-me, causei-lhe de imediato boa impressão, dei-lhe uns beijinhos e fui interrompido no melhor do nosso encontro pelo pelintra do mordomo dela. Que sim, que ela estava com o cio, disse o bruto, como se fossem termos para falar de uma senhora. Mas que não, que não podia ser, porque não lhe dava jeito a ele, o inútil, talvez daqui a seis meses, quem sabe.

O meu mordomo e eu saímos dali com o orgulho ferido. Não reagi logo à dentada para não embaraçar a minha conquista. Mas não me conformo. Já sei onde ela mora. Como o advogado me disse que não há por aí um único tribunal capaz de resolver a coisa mais cedo vou fazer Justiça pelas minhas próprias patas e ficar à espera de uns belos cachorrinos como prova.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

CEGUETAS


O mordomo bem avisou que as listas de espera de Oftalmologia são uma vergonha em Portugal. Mas alguém podia ter metido uma cunha para o nosso guarda-redes ter sido operado a tempo.

A nossa desculpa é que os suecos também têm o mesmo problema lá na terrinha deles. Caso contrário o palerma do árbitro tinha visto a falta deste calmeirão que só serve para dar patadas na bola e no menino joãozinho de oiro. E nós, mesmo ceguetas, tínhamos ganho o jogo nas calmas.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

SEPARADOS À NASCENÇA

Konrad

Olegário
Estes dois andaram juntos na escolinha. A minha única consolação é saber que o de cá também vai ficar careca depressa.
Ontem fiquei tão nervoso que liguei ao meu médico, um reputado especialista da Faculdade de Medicina de Lisboa.

O senhor professor explicou-me que quando um senhor do apito mete palas é porque julga que os outros são burros. Mas burros são eles porque essa doença dá queda do cabelo e outros sintomas que é melhor não divulgar para já, para eles não perderem a surpresa.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

OS CABEÇUDOS


O mordomo às vezes adormece a ver os jogos porque diz que o campeonato anda chato. Mas eu fico a ver até ao fim. Quero estar preparado para o caso do pitbull, que já anda cansado, se magoar. Sou o substituto natural dele e só não fui convocado de início porque o sargentão é um conservador e quer aprender inglês, língua que eu não domino tão bem como o Paulo Ferreira, o Ricardo Carvalho ou mesmo o namorado da Nereida, que apesar do sotaque madeirense aprendeu línguas na academia de Alcochete.

Como estou sempre em forma tenho concentrado o meu treino na táctica. Vi o meu mordomo aos gritos cada vez que os checos mandavam a bola pelo ar (nos jogos de Portugal ele não consegue passar pelas brasas) e hoje li o speziale a dizer que estivemos à rasca, caim, caim, nessas jogadas. Se fosse só o meu mordomo a preocupar-se eu não ligava, mas o sacana do Mourinho sabe sempre de onde vem o mau agoiro em todas as línguas (a excepção agora é o português, mas ele tem de ser saloio nalguma coisa).

Aqui na sala e nas minhas saídas ao jardim comecei a correr de patas dianteiras no ar. Fico mais alto do que o menino joãzinho de oiro, o mágico e o próprio pitbull. Percebi que ganho em estilo. Os meus pêlos loirinhos do peito abanam mais ao vento do que a cabeleira do Veloso e iam dar melhores fotografias para a primeira página do Record (já estou a ver a manchete depois da minha feérica estreia: Petrificados). Só é pena que na minha versão bípede demore mais tempo a esconder a bola e a morder as canelas dos adversários nas transições defensivas.

O convite que recebi ontem para conselheiro do senhor de Portugal e de Boliqueime (não digam a ninguém, porque é Segredo de Estado) levou-me a rever as fotografias de Viana, uma cidade onde passo muitos fins-de-semana. Foi aí que tive uma iluminação táctica.

Em Agosto os vianenses organizam uns jogos sem bola naquela pracinha à saída do Manuel Natário. Se nunca provaram os rissóis, as empadas de lampreia e as bolas de Berlim do Manel é natural que não percebem nada de futebol. Mas eu conto-vos como é. Há várias claques a tocar bombo e depois duas equipas: uma de gigantones, tipo aquele checo de três metros de altura, e outra de cabeçudos, tipos baixinhos como o menino joãzinho de oiro, o mágico e o pitbull.

Os gigantones dão mais nas vistas mas mexem-se mal e encostam depressa ao castelinho. Os cabeçudos cercam os outros por todo o lado e correm mais até ao fim. Como aconselha o speziale, que não fala português mas já deve ter ido a Viana, os cabeçudos marcam os gigantones à zona porque não se pode marcar homem a homem anormais como aquele checo que é uma ameaça permanente para a bola. A solução é correr mais do que eles e marcar mais golos.

O nosso problema na final grega não foi ter sofrido um golo: foi não ter marcado nenhum. Uma desgraça, porque tínhamos rapazes e até respeitáveis velhinhos (lembram-se do Rui Costa antes de ele andar por aí de fatinho?) para marcar três ou quatro. Se voltarmos a jogar para empatar em altura temo o pior. Deixem-me atacar junto à relva e eles vão ver.

terça-feira, 10 de junho de 2008

O DIA DA RAÇA


Eu devia ser conselheiro de Estado. Não é que a função me agrade. Preferia jogar a trinca no Sporting ou atender ao balcão no talho do Sr. Manel (obrigado pela carninha Manelito, estava muito boa!).

Mas nós temos que estar disponíveis para a Nação, sobretudo nos piores momentos (piores são os momentos em que as pessoas se sentem ainda mais zangadas do que quando estão mal, porque mal estão há muito tempo). Não, não me passaria pela ideia cumprir serviço militar. Não gosto da ração de combate. E não aguentava aqueles desfiles e movimentos todos a toque de corneta.

Ainda hoje os vi, aos pobres, horas ao Sol em pleno Campo D'Agonia. Em vez de irem atacar o arrozinho de peixe da taberna do Valentim, ou o churrasquinho da Zefa Carqueja, andaram às voltinhas em carros de guerra como se estivessem no Iraque. E os coitados que não tinham carro ficaram ali sossegaditos, de pé, à espera da corneta para mexerem um bocadinho as espingardas ou dar um passinho para o lado.

Conselheiro de Estado era outra coisa. É certo que no palácio de Belém, pelo que vi na recepção aos jogadores, é só sumos e coca-colas, deve haver falta de biscoitinhos. Mas quando os camionistas voltarem a circular talvez deixem lá um carregamento.

Ao contrário do que aconteceria no talho, em que o único beneficiado com o emprego iria ser eu, que sou cão mas não sou parvo, já como conselheiro de Estado mostrar-me-ia muito útil ao senhor Presidente. Sou um cão de raça com tradição na caça (era assim que deviam chamar à política) e muito bem informado. Por exemplo, conheço muito bem Viana. Os conselheiros dele devem ter-lhe dito que, no meio desta aflição, era o sítio ideal para fazerem uma festinha em grande porque os minhotos são muito simpáticos. Pois são, mas tê-lo-ia avisado de que não são parvos
.



A maior desgraça da falta de conselheiros à altura abateu-se sobre o senhor com quem só implicavam por ser engenheiro e agora implicam por tudo. Foi assobiado e vaiado. A simpatia dos minhotos desta vez restringiu-se à representação oficial. Só as lavradeiras trajadas de vermelho lhe bateram palmas, talvez porque o Benfica, afinal, sempre vai jogar um jogo da Liga dos Campeões.

Uma coisa é ele ir lá fazer uma corridinha. As pessoas gostam, porque gostam sempre de o ver fazer alguma coisa que não faça mal a ninguém. Outra é aparecer com o mesmo fatinho e gravata unicolor com que passa a vida a dar más notícias na televisão.

Com era o dia da raça, só se eu lá estivesse teria havido palminhas.

Aproveito a efeméride para declarar que tenho alguns problemas com os pitbull, mas até gosto das raças todas. Claro que cadelinhas pitbull como a Mimi da esplanada só há uma, mas isso é assunto privado. Do domínio público é só o meu conselho:

Os minhotos, que eu conheço muito bem, são simpáticos. Mas não são parvos.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

JÁ ESTOU A TREINAR O LOSANGO


Fiquei contente, claro, por termos ganho a Taça, porque gosto sempre que as coisas corram como têm de correr.

Mas ainda me chateia que, para ganhar um jogo ao Porto, o menino Joãozinho tenha de levar umas chapadas. Desta vez um cabeludo qualquer até lhe puxou o nariz para guardar a ranhoca de recordação. Quando vi aquilo fiquei com vontade de entrar em campo e distribuir a minha fruta toda. Infelizmente o meu mordomo só me deixou ver o jogo no sofá.

Insisto em ser convocado! Quero aqui dizer ao Senhor Tranquilo que já ando a treinar o losango. Jogo em qualquer posição e consigo fazer as quatro na mesma jogada se tiver direito aos ossinhos dos defesas adversários. Prefiro a trinco, porque tenho uma queda natural para o lugar. Os meus pêlos loirinhos do peito já estão do tamanho da cabeleira do Veloso.

E prometo que não demoro nada a aquecer. Se o árbitro for esse tal Olegário até começo a jogar antes do apito inicial. Ando há uns anos atravessado para aquecer com ele.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

EU SOU MAIS RÁPIDO, GRRRRRRR


Venho avisar este senhor que quando aparecer aqui pelo bairro para esfolar o meu mordomo lhe tiro as duas cataratas.

Prometo ser mais rápido que aquele médico espanhol que o deixa tão nervoso.

sábado, 19 de abril de 2008

Força, Portugal!

Este senhor mais esticado e que canta com a boca mais aberta disse que as eleições na casinha dele têm de ser feitas como se faz uma gelatina de moranguinho, de que eu tenho tantas saudades. Quanto mais depressa melhor, que ele já está todo babado e eu também.

"Não podemos deixar que se arraste o tempo. Em Junho queremos estar todos a apoiar solidariamente a selecção nacional de futebol", disse ele de boca bem aberta e a mim não me espantou nada.

De facto, quem quer saber dele se o Ronaldo partir a loiça toda e o Quaresma fizer uma trivela na final? A selecção encontrou uma motivação para ganhar o campeonato superior a todas as outras. Pôr o senhor a cantar vitória durante quatro anos bem longe daqui. Mas não se esqueça de levar com ele o outro senhor, que também canta muito bem.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Deixem-me rir


Se me deixarem fazer dupla com este brazuca na final garanto que ele não volta a levar uma patada e a ficar meses magoado.

Gostei muito do nosso jogo, especialmente da nossa grande primeira parte. Como somos educados, não quisemos dar logo cabo de uma equipa desmoralizada. Os do bairro de Carnide têm a mania das grandezas e precisam sempre de moral elevada para se deixarem de fitas e jogar à bola. Demos dois de avanço e eles sentiram-se bem. Foi mais bonito assim.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Esta insatisfação, este Estado de ansiedade...



Este senhor, profissional da administração empresarial, declarou-se "totalmente insatisfeito" com a casinha que ajudou a construir.

Como eu só fico totalmente insatisfeito quando não há papinha pergunto, com o coração despedaçado, se será esse o problema dele.

domingo, 30 de março de 2008

Assim não tem graça


Como devem imaginar eu não dou grande valor ao dinheiro. Se acabassem com ele não morria. Já sei que me vão atirar ao focinho que como papinha de marca e que o meu mordomo paga mais de 50 moedas das vossas por cada saquinho. Mas eu até prefiro outras iguarias, abundantes no meu bairro. E sou perito em trocas. Sento-me à beira dos casalinhos na esplanada, faço olhinhos de carneirinho abandonado e lá vêm abundantes pedacinhos de tosta mista. Apanho os estrangeiros a gozar um almocinho, volto a fazer ar de carneirinho e provo de tudo. O Tio David da churrascaria e o Senhor Costa do café a mim também não me cobram nada. Ainda ontem jantei uns carapauzinhos que me souberam pela vida.

Essa coisa do dinheiro aborrece-me. Ainda me custa ver o mordomo sair de casa sem me levar com ele, com uma pastinha na mão e camisa lavada e sempre com a mesma conversinha para eu não ficar zangado e desatar a espalhar pedacinhos de jornal pela sala. Diz ele que vai trabalhar para poder comprar papinha para mim. Eu ainda lhe tento explicar que era melhor irmos para a praia, que passo bem sem as bolinhas de ração, mas ele não me ouve. Nunca me ignora tanto como nesses momentos em que fala de trabalho.

O que mais me irrita é que o mordomo costuma receber umas cartas das Finanças. Quando ele sai e me deixa sozinho ponho-me a ler aquilo. Descobri que as Finanças são um canil muito grande porque se fartam de sacar dinheiro ao mordomo para comprar papinha para os cães deles. Levam-lhe quase metade do ordenado e ainda ficam com um quinto das moedas que é preciso juntar para trocar por sacos de papinha e por quase todas as coisas que entram cá em casa.

Eu não concordo nada que metam o nariz nos meus biscoitos mas o meu mordomo, que é o mais prejudicado, costuma dizer que é necessário. Claro que às vezes apanha umas fúrias a ver televisão e a discutir esses assuntos com os amigos mas, no fundo, ele é um conformado. Tanto que me habituei a pensar que nas Finanças eles estão a criar umas lindas cadelinhas de pêlos loirinhos e muito simpáticas que não tarda me vão bater à porta para dividir o colchão.

Andava eu a preparar-me para estar à altura desse momento, a enrolar cobertores, quando reparei no Expresso caído no chão do quarto. No caderno de "Economia" eles contam que, afinal, as Finanças andam a esconder as moedas nas Bahamas, nas Bermudas, nas Antilhas holandesas e noutros sítios distantes a que chamam paraísos fiscais.

Fiquei furioso e comi logo um pacotinho de bolachas (adivinharam, estou de castigo mas é por uma causa justa). Eu julgava que eles investiam em cadelinhas portuguesas para eu não ter de me dar ao trabalho de sair do meu bairro
. Vou dizer ao meu mordomo que temos de comprar bilhetes de avião e começar a fazer essas viagens. Ele enterra lá o dinheirinho dele e eu aproveito para conhecer essas cadelinhas estrangeiras antes que elas percam o cio de tanto esperar por mim. Comigo darão sempre uns belos filhotes de raça.

domingo, 16 de março de 2008

O meu obrigado



O meu mordomo andou quinze dias perdido em Cuba. Fiquei irritado e até fiz greve.

Mas depois soube que a Manelita tinha tomado conta dele e fiquei contente.

Amanhã eu quero vê-la na televisão. E estou à espera de ir ao Algarve para lhe dar uma lambidela. Não é preciso biscoito.

sábado, 15 de março de 2008

Quero os meus biscoitos


Gostei de saber que o senhor que implicam com ele porque é engenheiro, pese embora tenha faltado à grande maratona dos professores, continua a correr todas as semanas, ainda que menos acompanhado.

Também achei graça ao bonequinho. Mas o que me partiu o coração foi vê-lo dizer que é muito generoso. Ainda bem que tenho o meu lindo focinho coberto de pêlos loirinhos porque corei de emoção e não quero que ninguém saiba das minhas fraquezas sentimentalistas.

Imagino que daqui até às eleições toda a gente o vá enterrar em pedidos escandalosamente caros. O meu é mais modesto. Faço-o já para não perder a vez. Quero um pacote de biscoitinhos de carne, que os meus acabaram ontem.

Como o mordomo pôs um autocolante na caixa do correio a rejeitar publicidade em casa sugiro que mos envie para a churrascaria do Tio David, ao Largo da Graça, Lisboa. Eu depois passo lá a levantá-los.

Não é preciso lacinho nem embrulho em papel fantasia. Agradeço é que os biscoitinhos venham hermeticamente fechados na embalagem de fábrica. Caso contrário zango-me e devolvo-os à procedência sem trincar nenhum, não vá aquele colaborador de bigodinho do senhor que é engenheiro confundir-me com um pitbull.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Os costas



Quando vi esta fotografia da maratona de Lisboa, a que só faltei eu e o senhor que estão sempre a implicar com ele por ser engenheiro, não vi logo que havia gato à mostra. Mas eu costumo visitar a lojinha do queijo limiano na internet porque cá em casa só tenho direito às cascas e estou sempre à espera que o senhor José, que escreve muito bem, publique lá meia bolinha, ou pelo menos uma fatia gordinha para me consolar como leitor assíduo.

Ele continua a preferir outros assuntos. Como é desconfiado por profissão deve ter medo que eu me console para sempre e deixe de ir à lojinha todos os dias. Desta vez conta o José que a senhora que aparece na fotografia com ar de quem quer comer a outra que é ministra é mulher do senhor Costa. Ainda julguei que fosse a legítima do senhor Costa da pastelaria do bairro, um doceiro de primeira água que me dá salgadinhos deliciosos sempre que lá vou. Estive quase a dar à senhora uma lambidela em sinal de reconhecimento. Afortunadamente, por instinto de desconfiança animal, guardei a língua a tempo de ler o textinho do José.

Não gosto de dar confiança a estranhos. E esta senhora que está a pedir que lhe metam a outra que é ministra bem no meio dos dentinhos afinal é só a mulher do outro Costa, aquele que se mudou da casinha do Governo para a casinha de Lisboa - que não é tão grande mas sempre tem mais futuro.

Nos dias que correm só não percebo o espanto do José. Não devemos viver no mesmo bairro.

domingo, 9 de março de 2008

A MARATONA DE LISBOA


Estou um bocado aborrecido porque o mordomo não me levou à manifestação. Eu estava doido por ver aquelas ruas todas sem carros e cheias de cheirinhos do Minho ao Algarve que os professores trouxeram para Lisboa. Ainda por cima, vi depois na televisão, montaram lá umas barraquinhas de salsichas no pão. Os idiotas chamam àquele petisco delicioso "cachorros quentes". Mas eu nem preciso da mostarda para engolir o pãozinho todo e fazer pepitas dessa piadola de mau gosto.

Perdi a oportunidade de manifestar o meu bom gosto mas não perdi pitada do que aconteceu porque ontem esqueci-me do Canal Panda, o meu preferido, e passei a tarde a ver notícias na televisão. Julguei que ia ver o senhor com quem estão sempre a embirrar por ser engenheiro mas ele não apareceu. Parece que resolveu mudar as regras da etiqueta. Em vez de receber as pessoas e de pagar a todas uma rodada de pãezinhos com salsichas mandou na véspera um amigo dele a Chaves. A mudança de regras tão antigas foi tão repentina que ninguém percebeu a gentileza vespertina do enviado especial.

Aquele senhor careca que tem óculos e espeta muito o dedo quando fala no Parlamento chegou a Chaves num carro muito bonito e foi mal recebido. As pessoas devem ter interpretado que ele não queria que fossem elas a disfrutar da viagem. Ficaram decepcionadas. Então, se até os polícias já tinham ido às escolas delas saber quem queria vir, deixando-as seguras de que a deslocação não tinha riscos, para quê antecipar a conversa? O senhor careca de óculos ficou de dedo espetado e até disse muitas coisas sobre liberdade mas não conseguiu quebrar a firme relação estabelecida entre as pessoas e a polícia.

De maneira que ontem foi um dia lindo. Nunca o senhor que implicam com ele por ser engenheiro tinha tido tanta gente junta por causa dele. A polícia, como sabe que ele gosta de correr em segurança pelas ruas, aproveitou e cortou o trânsito. Estava tudo bem preparado para a maior maratona de Lisboa, se descontarmos o facto de faltar eu. Mas o senhor que é engenheiro e desata a correr em todas as cidades que visita desta vez não quis participar. Não fora as salsichinhas ainda serem uma comidinha acessível e a grandiosa maratona de Lisboa tinha descambado numa fome colectiva. Tenho estado a pensar no que o terá levado a faltar a uma corridinha tão boa mas, como nele ninguém manda, não encontro explicação
.

terça-feira, 4 de março de 2008

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Boas maneiras



Ainda estou sem palavras.

Viram bem? Ele deu cabo da baliza dos nossos convidados por duas vezes e depois partiu a própria relva com uma golpada de karaté. Quando os pobres viram a ervinha toda aos gritos ficaram tão amedrontados que nem tentaram reagir.

Os senhores da televisão disseram que ficou magoado. São tontos, não percebem nada. O senhor tranquilo só o tirou porque se ele continuasse a partir tudo até ao fim iam dizer que não sabemos receber pessoas em casa. E nós temos boas maneiras.

A próxima vez que apanhar um pitbull no meu bairro ele vai ver.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A aguinha não se nega a ninguém



Hoje passei uma tarde consolada. Fui à praia, conheci uma cadelinha branca de olhos azuis e pêlo curto, tomei três banhinhos de mar.

Só no "Público" continuei a encontrar motivos para me indignar. Apesar da minha sábia sugestão o jornal ainda não traz biscoitos como brinde. E na edição de hoje o senhor da esquerda voltava a meter-se com o senhor de barbas. "Espero que, com rapidez, a Câmara Municipal de Lisboa deixe de pagar a água que continua a fornecer gratuitamente para a actividade deste restaurante de luxo", escreveu o senhor da esquerda, mesmo à procura de pôr as barbas do outro de molho.

E então, qual é o problema dele? Eu sempre que vou a restaurantes dão-me aguinha fresca para beber e não cobram nada ao mordomo por isso. Ainda hoje bebi três tacinhas de água numa tigelinha de gelado que o senhor da esplanada da praia do Baleal trouxe de propósito para mim. Se houvesse alguma coisa a reclamar era contra o facto de a tigelinha vir bem lavadinha, sem restinhos de gelado para lamber.

Já disse ao mordomo que quero ir jantar ao "Eleven". Aposto que também me oferecem a aguinha, nem que seja num pratinho de porcelana ou numa tigelinha de prata, porque o restaurante é, de facto, refinado.

A minha dieta

Todos os dias jogo ao gato e ao rato com o mordomo por causa da minha dieta. Eu faço de rato, claro. Nasci com queda para o teatro e Deus proibiu-me de ir a Hollywood para não estragar os planos Dele para o Jack Nicholson, o Robert De Niro e esses senhores todos, mas fazer de gato estaria acima das minhas possibilidades naturais.

Fazer de rato, no meu caso, é correr como um cão. Mal tenho ordem para atravessar as passadeiras do meu bairro desato a correr até à pastelaria do senhor Costa e à churrascaria do tio David. Sei muito bem que se não ganhar uma boa vantagem ao meu mordomo lá se vão os salgadinhos e os pedacinhos de picanha. A sorte é que chego sempre primeiro (só deixo o mordomo ganhar na corrida à havaneza dos jornais para ele não desmoralizar).

Por vontade do mordomo eu não comia nada na rua para ele controlar a minha dieta bolinha a bolinha. Sim, porque em casa a minha ração são sempre bolinhas de marca ou um arrozinho cozido sem sal que a menina faz quando um saco de bolinhas acaba antes de eles terem comprado outro. A minha dieta só varia das bolinhas de frango para as bolinhas de carneiro, que são melhores para o meu pêlo, e pouco mais.

Ao ver o anúncio ao Danacol na televisão percebi que o mordomo se preocupa com o meu colesterol. O colesterol deve ser uma coisa tão perniciosa para aí como a diabetes, porque é por causa da maldita que o meu mordomo proibiu o senhor Costa de me dar um docinho de vez em quando.

O filme publicitário encheu-me de esperanças na melhoria da minha dieta. Um palerma que passa a vida a dizer que tem colesterol alto atravessa a passadeira sem autorização e é quase atropelado. Mesmo assim, o outro diz-lhe que é mais perigoso ele ter colesterol do que ser feito em quatro pelo carro. No fim, acabam os dois felizes a matar o colesterol tomando um danacolzinho cada um.

Eu desatei a ladrar e atirei-me ao frigorífico porque há lá uns remédios parecidos. Foi aí que o meu mordomo me parou. Diz ele que o Danacol é um iogurtinho, não é um remédio. Apanhei um desgosto quando me avisou que nem que eu coma uma dúzia deles todos os dias me irá deixar abusar da picanha e dos salgadinhos.

Tivemos uma discussão prolongada. O meu mordomo argumentou com os excessos da publicidade, gritou-me que o Infarmed não é como a ASAE e voltou a gritar que não se chateia a Danone como quem fecha um restaurante de bairro. Os argumentos pareceram-me injustos. Mas ele arrumou comigo quando disse que o próprio anúncio avisa que em caso de colesterol é preciso ir ao médico e que o Danacol não é um medicamento.

Costumo acreditar no mordomo, mas desta feita os meus interesses obrigam-me a ficar na dúvida. O tal aviso aparece em letras tão pequeninas que eu não consigo ler nada. A visão é o único sentido em que um cão sai a perder com a Humanidade. O palerma e o outro senhor não se importariam de ler as letras pequeninas em voz alta enquanto tomam o iogurtinho?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Eu nem os ossinhos escondo



Como continua a chuvinha passo a tarde com o focinho enfiado nos jornais (quem falar em carnaval apanha uma trincadela). Acabo de ler que os senhores desta casinha querem esconder os rendimentos. Ainda tentei que o meu mordomo me explicasse as razões, mas ele ficou caladinho (diz que está de folga e não quer pensar em trabalho).

Fiquei confuso porque não escondo nada, a não ser as minhas pepitas. Procuro sempre cantinhos discretos para me separar delas. O meu mordomo também deve saber que elas são preciosas e por isso anda sempre atrás de mim com saquinhos de plástico. O tonto passa a vida curvado, a recolhê-las do passeio, para logo as abandonar inexplicavelmente nos caixotes de lixo, com um desprezo tal que a princípio me deixava muito ofendido.

Passados milhares de passeios a dois não me resignei (jamais, em português de cão!). Descobri outrossim uma forma de suportar a ofensa sem cortar relações com o mordomo. Passei a encarar o combate ao desperdício dele como um jogo, mais ou menos como aqueles senhores que fecham restaurantes e fechavam urgências. Quando me dá para mostrar que eu é que mando fujo ao mordomo e planto as minhas preciosas pepitas num canteirinho. Sei que são um bom alimento para as flores e plantinhas de que gosto tanto.

Mesmo assim, é verdade, enterro-as bem enterradinhas na terrinha (precisava de uma transgressão gramatical para vos explicar bem como faço). Mas não me dou a tanto trabalho por medo de que o mordomo mas roube. Só sujo as minhas loiras patinhas traseiras para as pepitas não ficarem a cheirar mal. Será por essa razão que esses senhores querem esconder os rendimentozinhos deles?

domingo, 3 de fevereiro de 2008

O meu carnaval


A chuva estragou-me os planos para o fim-de-semana. Tinha pensado aproveitar o carnaval e mascarar-me de patinho. O meu mordomo prometera levar-me à beira do rio, a uma praia lá para os lados de Alcochete. Espero que não a estraguem com o novo aeroporto porque é muito bem frequentada. Há lá uns passarinhos com um ar delicioso e eu uma ocasião quase conseguia dar uma dentadinha num, mas o ingrato largou a voar no penúltimo instante. Desta vez tinha tudo bem pensado. Se me esfregasse bem na areia, para tirar o cheiro, e com o focinho escondido num bico de pato acho que chegava lá.

Esta chuvinha irritante estragou tudo. Tirou-me brilho ao pêlo, roubou milhares de magníficos cheirinhos ao meu bairro e levou-me o almoço para parte incerta. Como aos domingos o tio David da churrascaria está fechado nem sequer posso consolar-me com um pedacinho de picanha. Esta manhã fiquei pois tão irritado que até li as notícias de política dos jornais, a ver se tirava a praia, a máscara de pato, o passarinho e a carninha da cabeça.

Comecei pelo "Público", um jornal que está a ficar quase perfeito (agora só precisa de trazer biscoitos em vez de livros como brinde, mas deixo aqui a dica). Logo na primeira página fiquei a saber da tragédia deste senhor da fotografia. Ele foi ministro não sei do quê e, para humano, nem deve ter tido uma vida muito má. Mas quando o senhor que é engenheiro chegou à casinha do poder este senhor passou a noite toda a trabalhar. Parece que escreveu o nome dele em mais de trezentos papéis. E não foi só o nome. O meu mordomo explicou-me que os "despachos" obrigam também os senhores a escrever pelo menos uma palavrinha, ou até uma pequena historieta da cabeça deles antes de assinarem. Contou-me ainda o mordomo, com ar de enfado por eu lhe estar a pedir tantas explicações, que é conveniente os senhores lerem primeiro muito bem aquela papelada toda que lhes dão para eles escreverem histórias em cima, porque às vezes há por lá "gato" (cruzes!) e com o rabo bem escondido (credo!).

Ao receber assim, sem estar minimamente preparado, a notícia da tenebrosa madrugada deste senhor fiquei com tanta pena dele que comecei a relativizar este fim-de-semana imbecil de cão que não pode aproveitar o carnaval. Vá lá que li na notícia que antes dessa madrugada o senhor que era ministro não sei do quê passou quinze dias sem pôr os pés no ministério que era a casinha dele. Fiquei mais consolado. Espero que o coitado tenha aproveitado para ir à praia.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Que ricas casinhas

Estive agora a ver as fotografias de 23 casinhas daquele senhor que é engenheiro mas estão sempre a implicar com ele por causa disso. Desta vez dizem que não foi ele que as projectou e o senhor, indignado, claro que já veio dizer que é mentira. Até ladrei de alegria quando o vi na televisão assumir que foram todas obra dele do princípio ao fim. Uão! Uããooo! Aurrr!

Achei muito bem o que ele disse. Eu sou um cão de cidade mas gostei muito de ver na internet estas casinhas de campo. Claro que o facto de estar confortavelmente sentado numa cadeira de braços e a trincar uma bolachinha de aveia valorizou a minha apreciação (experimentem fazer como eu e vão ver que rico bocadinho se passa a ver as imagens).

Mesmo assim, pese embora a bolachinha ser confeccionada com um melaço de primeiríssima qualidade, não deixei que a gula me turvasse o juízo crítico. Quanto muito admito uma ligeira subida de baba canina, um fenómeno que não consigo controlar, mas essa vantagem subjectiva na apreciação foi bem corrigida pelo facto de as trincadelas me terem feito perder alguns pormenores das obras de arte.

A verdade é que quando o meu mordomo me levou a passear à província vi muitas casinhas parecidas, mas ao vivo raramente me pareceram tão acolhedoras como estas. A minha preferida é a que partilho convosco aqui em cima. Eu sei que as janelas são pequeninas, mas já repararam no quintalinho? Numa casinha assim eu passava o tempo todo na rua, a enterrar as minhas preciosas pepitas naquela terrinha deliciosa.

Até vos digo: se não estivesse tão viciado no meu bairro e ocupado com uma cadelinha pastora alemã que costumo encontrar na esplanada mudava-me para lá nos próximos dias.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

As emergências dos gatos (ainda bem que nasci cão)

O mordomo da ASAE



Eu nunca quis este senhor para mordomo mas também nunca quis outro. Tenho o que Deus me deu para as tarefas básicas: mimos, água e papinha de marca a horas certas, biscoitos e longos passeios pelo bairro todos os dias, à praia ou às esplanadas nos fins-de-semana.Por isso nunca percebi tanta agitação para saber se este senhor era ou não engenheiro, se cumpria ou não as promessas, se punha o aeroporto mais para cima ou mais para baixo (eu cá só ando de avião quando me derem lugar na cabine e em primeira classe: não nasci para ser trancado num porão de carga).
Mas agora percebo o problema e descobri que ele não percebe nada. Se ele mandasse fechar os restaurantes onde como pedacinhos de picanha, a pastelaria dos salgadinhos de carne ou até a urgência veterinária, juro que afiava o dente. E ele pode correr as vezes que quiser, que eu sem treinar corro mais do que ele. Pelo meu médico, pelo senhor Costa do café e pelo tio David da churrascaria estou disposto a mudar de dieta.

Raça 2





Embora encare o facto com normalidade fico feliz porque os nossos jogadores cumpriram as minhas recentes instruções. Mas ainda acho que tenho lugar a titular. Se me deixassem marcar aquele defesa cabeludo do Porto com os meus dentinhos todos aposto que ele não se tinha atrevido a dar uma patada no menino joãozinho. E o senhor levezinho aproveitava para molhar a sopa. 3-0 é que era. Nham!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O meu castigo



Estou de castigo. Esta noite fiquei muito excitado e lambi um pacote de manteiga. Foi uma pequena transgressão, porque só havia um restinho. Ainda pensei ir buscar umas tostas à cozinha, mas a manteiguinha que sobrava, coitada, não dava para barrar duas decentemente, mesmo que eu a espalhasse bem com a minha língua.

O meu mordomo e a minha menina não percebem que, para cão, eu estou a entrar naquela idade em que só não me reformo porque o Governo agora precisa que a gente trabalhe a vida inteira para pagar o novo aeroporto. Pensam eles que ainda sou um miúdo de sete anos e continuam decididos a educar-me. Claro que já adquiri muitos direitos importantes, como às cascas de queijo ou a lamber tigelinhas de mousse de chocolate que eles me dão. Mas quando sou eu a tomar a iniciativa, como hoje, é certo que vou passar umas horas trancado na casa de banho.

Eu violo as regras com tanta decisão que entro sempre no castigo de peito feito. Mas hoje estou quase a chorar porque eles não valorizaram relevantes atenuantes ao meu comportamento criminoso. É que o meu mordomo chegou a casa e ficou à espera de não sei o quê na televisão. Reparei logo, porque é raro ele pôr-se de comando na mão a olhar para o relógio. Depois, quando o programa começou, percebi tudo.

Ele queira ver o senhor alegre. Eu não percebo nada de política mas gosto do senhor alegre porque ele escreveu um livro sobre um cão meu amigo chamado Kurika. O Kurika morreu e o senhor alegre ficou cheio de saudades e escreveu um livro muito bonito, chamado "Cão como nós", que o meu mordomo me deixou ler ao mesmo tempo que ele, privilégio raro porque o meu mordomo tem muito medo que eu aprenda mais do que ele nos livros.

Claro que, faz agora dois anos, fiquei irritado com o senhor alegre quando o meu mordomo me abandonou quinze dias em casa para andar atrás dele a fazer reportagens de uma campanha política. Mas já me passou. E hoje gostei muito dos desenhos que mostraram na televisão do novo livro dele. Fiquei muito excitado. Por isso, subiu-me uma fúria quando o mordomo e a menina saíram para jantar e não me levaram. Eles ainda me disseram que me passeavam depois. Mas eu queria espalhar logo a minha alegria pelos cantos do bairro.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Raça




Ultimamente, para não ficar nervoso, já nem sequer me ponho a ouvir os relatos. Vou fazer oito anos e isso é muito para o coração de um cão. Mas lá ganhámos um jogo este ano.
O que me chateia mais é que digam que a culpa é do senhor tranquilo. Eu não acho. Sei muito bem que ele até dava um bom mordomo. O pior é aquela equipa. Falta-lhe raça. E se aquele sueco pode trabalhar no IKEA à semana e jogar no Sporting ao sábado, então até eu tinha lugar a titular. Aposto que corro mais e se me deixarem agarrar a bola nos dentes marco mais golos do que o Purovic, pobrezito.

Então, e eu?


Há dias fiquei furioso com este senhor.
Eu já estou cheio que o meu mordomo me deixe todos os dias em casa a dizer que vai para a televisão. Por isso, quando ouvi este senhor dizer que era preciso meter na televisão novos comentadores, achei que tinha chegado a solução para o meu problema.
Mas ele esqueceu-se de mim! Vai ver no dia das eleições. Nem saio à rua, quanto mais votar nele.

Comecei mal o dia



Li no "Sol" - que até é um jornal de que gosto muito porque o meu mordomo leva-me à rua cedinho para o comprar aos sábados - que este senhor de óculos já comeu cão várias vezes.

A ele não o comia eu, nem torradinho de açúcar.