domingo, 10 de fevereiro de 2008

A minha dieta

Todos os dias jogo ao gato e ao rato com o mordomo por causa da minha dieta. Eu faço de rato, claro. Nasci com queda para o teatro e Deus proibiu-me de ir a Hollywood para não estragar os planos Dele para o Jack Nicholson, o Robert De Niro e esses senhores todos, mas fazer de gato estaria acima das minhas possibilidades naturais.

Fazer de rato, no meu caso, é correr como um cão. Mal tenho ordem para atravessar as passadeiras do meu bairro desato a correr até à pastelaria do senhor Costa e à churrascaria do tio David. Sei muito bem que se não ganhar uma boa vantagem ao meu mordomo lá se vão os salgadinhos e os pedacinhos de picanha. A sorte é que chego sempre primeiro (só deixo o mordomo ganhar na corrida à havaneza dos jornais para ele não desmoralizar).

Por vontade do mordomo eu não comia nada na rua para ele controlar a minha dieta bolinha a bolinha. Sim, porque em casa a minha ração são sempre bolinhas de marca ou um arrozinho cozido sem sal que a menina faz quando um saco de bolinhas acaba antes de eles terem comprado outro. A minha dieta só varia das bolinhas de frango para as bolinhas de carneiro, que são melhores para o meu pêlo, e pouco mais.

Ao ver o anúncio ao Danacol na televisão percebi que o mordomo se preocupa com o meu colesterol. O colesterol deve ser uma coisa tão perniciosa para aí como a diabetes, porque é por causa da maldita que o meu mordomo proibiu o senhor Costa de me dar um docinho de vez em quando.

O filme publicitário encheu-me de esperanças na melhoria da minha dieta. Um palerma que passa a vida a dizer que tem colesterol alto atravessa a passadeira sem autorização e é quase atropelado. Mesmo assim, o outro diz-lhe que é mais perigoso ele ter colesterol do que ser feito em quatro pelo carro. No fim, acabam os dois felizes a matar o colesterol tomando um danacolzinho cada um.

Eu desatei a ladrar e atirei-me ao frigorífico porque há lá uns remédios parecidos. Foi aí que o meu mordomo me parou. Diz ele que o Danacol é um iogurtinho, não é um remédio. Apanhei um desgosto quando me avisou que nem que eu coma uma dúzia deles todos os dias me irá deixar abusar da picanha e dos salgadinhos.

Tivemos uma discussão prolongada. O meu mordomo argumentou com os excessos da publicidade, gritou-me que o Infarmed não é como a ASAE e voltou a gritar que não se chateia a Danone como quem fecha um restaurante de bairro. Os argumentos pareceram-me injustos. Mas ele arrumou comigo quando disse que o próprio anúncio avisa que em caso de colesterol é preciso ir ao médico e que o Danacol não é um medicamento.

Costumo acreditar no mordomo, mas desta feita os meus interesses obrigam-me a ficar na dúvida. O tal aviso aparece em letras tão pequeninas que eu não consigo ler nada. A visão é o único sentido em que um cão sai a perder com a Humanidade. O palerma e o outro senhor não se importariam de ler as letras pequeninas em voz alta enquanto tomam o iogurtinho?

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