quinta-feira, 5 de março de 2009

OS MANHOSOS DA SAÚDE 24


Como podem ver pela fotografia eu é que sei o que se passa na Saúde 24, a linha de atendimento telefónico com que o Ministério da Saúde anda a dizer às pessoas todas para ficarem na casinha delas, que é sempre melhor do que irem parar aos hospitais.

A mim pareceu-me, desde o início, uma ideia genial. Eu também só vou ao meu médico quando preciso de vacinas. Fora isso, só lá fui quando andei à dentada com um pitbull que tentou invadir o meu bairro. Eu nem achei necessário, mas levaram-me às urgências para tratar um furinho de nada que ele me fez (não tentei confirmar a informação que se segue, porque tenho mais que fazer, mas acho que ele foi parar ao cemitério já que nunca mais apareceu para ajustar contas).

Fora isso, trato-me em casa, que a minha menina é enfermeira e o meu mordomo fala com muitos médicos ao telefone: chegam bem para esta otite manhosa que às vezes me ataca o ouvido interno esquerdo, uma pequena mazela com algumas vantagens porque deita um cheirinho irresistível para as cadelinhas do bairro, isto para não falar das estrangeiras.

Os jornalistas, de há uns meses para cá, passam a vida a telefonar-me porque ficaram muito interessados na carta que a minha menina, armada em branca de neve, e outros sete enfermeiros supervisores escreveram àquela senhora que foi substituir o ministro da Saúde que queria fechar as urgências todas para fazer de conta que não se passa nada. Eu bem a avisei que a senhora, que até tem um ar simpático, ia dizer o que lhe pediu o outro, aquele com quem toda a gente implica por ser engenheiro:

"Não se passa nada, a linha é fantástica, os doentes que ligam para lá são uns queridos e eu é que sou a ministra da Saúde, portanto a linha é muito boa, os doentes fazem o favor de ligar e de não me aparecerem nos hospitais, eles são uns queridos e eu também, porque eu agora é que sou a ministra da Saúde, aquele que era mau já foi para comentador e eu estou aqui para ajudar o senhor engenheiro. Não impliquem com ele por causa disto, que é um problema laboral e os problemas laborais só existiam no tempo do PREC e agora só existem na cabeça do Alegre, que me pôs aqui, mas eu agora sou pelo senhor engenheiro, portanto somos todos uns queridos e não me façam perguntas, está bem, que eu só sei esta resposta".

Hoje foram lá uns senhores deputados e eu percebi o filme todo. As telefonistas que estão no lugar da minha menina vestiram-se a preceito. Calçaram saltos bicudos para parecerem grandes. O manhoso do outro engenheiro, que se chama Ramiro e é pequenino, porque o meu mordomo disse-me que ele é "curto" e aperta a mão como se fosse uma alface, treinou ao espelho os salamaleques.

Os senhores deputados, se calhar, ficaram cheios de dúvidas. Os senhores jornalistas continuaram mal informados porque eu não lhes digo nada, já que estou vinculado ao segredo profissional.

Eu, quando estou nos meus turnos, trabalho tanto a dizer às pessoas para fugirem dos hospitais, que não pude ainda aprofundar contactos com os meus colegas. Ainda por cima, não se pode comer no call center desde que a minha menina foi suspensa por causa de uma fatia de pizza. Mas a minha menina diz que os meus colegas da Saúde 24 são uns enfermeiros fantásticos e que andam muito chateados porque preferem tratar burros em cuidados intensivos do que aquela colecção de manhosos.

"Se não fosse proibido, eles até te davam biscoitos", disse-me ela.

Eu já andava chateado com tanta manhosice. Mas a menina, que é uma manipuladora e uma revolucionária, tocou-me no ponto fraco. Por isso, caros leitores, resolvi ser eu a trincar este assunto.