quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Boas maneiras



Ainda estou sem palavras.

Viram bem? Ele deu cabo da baliza dos nossos convidados por duas vezes e depois partiu a própria relva com uma golpada de karaté. Quando os pobres viram a ervinha toda aos gritos ficaram tão amedrontados que nem tentaram reagir.

Os senhores da televisão disseram que ficou magoado. São tontos, não percebem nada. O senhor tranquilo só o tirou porque se ele continuasse a partir tudo até ao fim iam dizer que não sabemos receber pessoas em casa. E nós temos boas maneiras.

A próxima vez que apanhar um pitbull no meu bairro ele vai ver.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A aguinha não se nega a ninguém



Hoje passei uma tarde consolada. Fui à praia, conheci uma cadelinha branca de olhos azuis e pêlo curto, tomei três banhinhos de mar.

Só no "Público" continuei a encontrar motivos para me indignar. Apesar da minha sábia sugestão o jornal ainda não traz biscoitos como brinde. E na edição de hoje o senhor da esquerda voltava a meter-se com o senhor de barbas. "Espero que, com rapidez, a Câmara Municipal de Lisboa deixe de pagar a água que continua a fornecer gratuitamente para a actividade deste restaurante de luxo", escreveu o senhor da esquerda, mesmo à procura de pôr as barbas do outro de molho.

E então, qual é o problema dele? Eu sempre que vou a restaurantes dão-me aguinha fresca para beber e não cobram nada ao mordomo por isso. Ainda hoje bebi três tacinhas de água numa tigelinha de gelado que o senhor da esplanada da praia do Baleal trouxe de propósito para mim. Se houvesse alguma coisa a reclamar era contra o facto de a tigelinha vir bem lavadinha, sem restinhos de gelado para lamber.

Já disse ao mordomo que quero ir jantar ao "Eleven". Aposto que também me oferecem a aguinha, nem que seja num pratinho de porcelana ou numa tigelinha de prata, porque o restaurante é, de facto, refinado.

A minha dieta

Todos os dias jogo ao gato e ao rato com o mordomo por causa da minha dieta. Eu faço de rato, claro. Nasci com queda para o teatro e Deus proibiu-me de ir a Hollywood para não estragar os planos Dele para o Jack Nicholson, o Robert De Niro e esses senhores todos, mas fazer de gato estaria acima das minhas possibilidades naturais.

Fazer de rato, no meu caso, é correr como um cão. Mal tenho ordem para atravessar as passadeiras do meu bairro desato a correr até à pastelaria do senhor Costa e à churrascaria do tio David. Sei muito bem que se não ganhar uma boa vantagem ao meu mordomo lá se vão os salgadinhos e os pedacinhos de picanha. A sorte é que chego sempre primeiro (só deixo o mordomo ganhar na corrida à havaneza dos jornais para ele não desmoralizar).

Por vontade do mordomo eu não comia nada na rua para ele controlar a minha dieta bolinha a bolinha. Sim, porque em casa a minha ração são sempre bolinhas de marca ou um arrozinho cozido sem sal que a menina faz quando um saco de bolinhas acaba antes de eles terem comprado outro. A minha dieta só varia das bolinhas de frango para as bolinhas de carneiro, que são melhores para o meu pêlo, e pouco mais.

Ao ver o anúncio ao Danacol na televisão percebi que o mordomo se preocupa com o meu colesterol. O colesterol deve ser uma coisa tão perniciosa para aí como a diabetes, porque é por causa da maldita que o meu mordomo proibiu o senhor Costa de me dar um docinho de vez em quando.

O filme publicitário encheu-me de esperanças na melhoria da minha dieta. Um palerma que passa a vida a dizer que tem colesterol alto atravessa a passadeira sem autorização e é quase atropelado. Mesmo assim, o outro diz-lhe que é mais perigoso ele ter colesterol do que ser feito em quatro pelo carro. No fim, acabam os dois felizes a matar o colesterol tomando um danacolzinho cada um.

Eu desatei a ladrar e atirei-me ao frigorífico porque há lá uns remédios parecidos. Foi aí que o meu mordomo me parou. Diz ele que o Danacol é um iogurtinho, não é um remédio. Apanhei um desgosto quando me avisou que nem que eu coma uma dúzia deles todos os dias me irá deixar abusar da picanha e dos salgadinhos.

Tivemos uma discussão prolongada. O meu mordomo argumentou com os excessos da publicidade, gritou-me que o Infarmed não é como a ASAE e voltou a gritar que não se chateia a Danone como quem fecha um restaurante de bairro. Os argumentos pareceram-me injustos. Mas ele arrumou comigo quando disse que o próprio anúncio avisa que em caso de colesterol é preciso ir ao médico e que o Danacol não é um medicamento.

Costumo acreditar no mordomo, mas desta feita os meus interesses obrigam-me a ficar na dúvida. O tal aviso aparece em letras tão pequeninas que eu não consigo ler nada. A visão é o único sentido em que um cão sai a perder com a Humanidade. O palerma e o outro senhor não se importariam de ler as letras pequeninas em voz alta enquanto tomam o iogurtinho?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Eu nem os ossinhos escondo



Como continua a chuvinha passo a tarde com o focinho enfiado nos jornais (quem falar em carnaval apanha uma trincadela). Acabo de ler que os senhores desta casinha querem esconder os rendimentos. Ainda tentei que o meu mordomo me explicasse as razões, mas ele ficou caladinho (diz que está de folga e não quer pensar em trabalho).

Fiquei confuso porque não escondo nada, a não ser as minhas pepitas. Procuro sempre cantinhos discretos para me separar delas. O meu mordomo também deve saber que elas são preciosas e por isso anda sempre atrás de mim com saquinhos de plástico. O tonto passa a vida curvado, a recolhê-las do passeio, para logo as abandonar inexplicavelmente nos caixotes de lixo, com um desprezo tal que a princípio me deixava muito ofendido.

Passados milhares de passeios a dois não me resignei (jamais, em português de cão!). Descobri outrossim uma forma de suportar a ofensa sem cortar relações com o mordomo. Passei a encarar o combate ao desperdício dele como um jogo, mais ou menos como aqueles senhores que fecham restaurantes e fechavam urgências. Quando me dá para mostrar que eu é que mando fujo ao mordomo e planto as minhas preciosas pepitas num canteirinho. Sei que são um bom alimento para as flores e plantinhas de que gosto tanto.

Mesmo assim, é verdade, enterro-as bem enterradinhas na terrinha (precisava de uma transgressão gramatical para vos explicar bem como faço). Mas não me dou a tanto trabalho por medo de que o mordomo mas roube. Só sujo as minhas loiras patinhas traseiras para as pepitas não ficarem a cheirar mal. Será por essa razão que esses senhores querem esconder os rendimentozinhos deles?

domingo, 3 de fevereiro de 2008

O meu carnaval


A chuva estragou-me os planos para o fim-de-semana. Tinha pensado aproveitar o carnaval e mascarar-me de patinho. O meu mordomo prometera levar-me à beira do rio, a uma praia lá para os lados de Alcochete. Espero que não a estraguem com o novo aeroporto porque é muito bem frequentada. Há lá uns passarinhos com um ar delicioso e eu uma ocasião quase conseguia dar uma dentadinha num, mas o ingrato largou a voar no penúltimo instante. Desta vez tinha tudo bem pensado. Se me esfregasse bem na areia, para tirar o cheiro, e com o focinho escondido num bico de pato acho que chegava lá.

Esta chuvinha irritante estragou tudo. Tirou-me brilho ao pêlo, roubou milhares de magníficos cheirinhos ao meu bairro e levou-me o almoço para parte incerta. Como aos domingos o tio David da churrascaria está fechado nem sequer posso consolar-me com um pedacinho de picanha. Esta manhã fiquei pois tão irritado que até li as notícias de política dos jornais, a ver se tirava a praia, a máscara de pato, o passarinho e a carninha da cabeça.

Comecei pelo "Público", um jornal que está a ficar quase perfeito (agora só precisa de trazer biscoitos em vez de livros como brinde, mas deixo aqui a dica). Logo na primeira página fiquei a saber da tragédia deste senhor da fotografia. Ele foi ministro não sei do quê e, para humano, nem deve ter tido uma vida muito má. Mas quando o senhor que é engenheiro chegou à casinha do poder este senhor passou a noite toda a trabalhar. Parece que escreveu o nome dele em mais de trezentos papéis. E não foi só o nome. O meu mordomo explicou-me que os "despachos" obrigam também os senhores a escrever pelo menos uma palavrinha, ou até uma pequena historieta da cabeça deles antes de assinarem. Contou-me ainda o mordomo, com ar de enfado por eu lhe estar a pedir tantas explicações, que é conveniente os senhores lerem primeiro muito bem aquela papelada toda que lhes dão para eles escreverem histórias em cima, porque às vezes há por lá "gato" (cruzes!) e com o rabo bem escondido (credo!).

Ao receber assim, sem estar minimamente preparado, a notícia da tenebrosa madrugada deste senhor fiquei com tanta pena dele que comecei a relativizar este fim-de-semana imbecil de cão que não pode aproveitar o carnaval. Vá lá que li na notícia que antes dessa madrugada o senhor que era ministro não sei do quê passou quinze dias sem pôr os pés no ministério que era a casinha dele. Fiquei mais consolado. Espero que o coitado tenha aproveitado para ir à praia.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Que ricas casinhas

Estive agora a ver as fotografias de 23 casinhas daquele senhor que é engenheiro mas estão sempre a implicar com ele por causa disso. Desta vez dizem que não foi ele que as projectou e o senhor, indignado, claro que já veio dizer que é mentira. Até ladrei de alegria quando o vi na televisão assumir que foram todas obra dele do princípio ao fim. Uão! Uããooo! Aurrr!

Achei muito bem o que ele disse. Eu sou um cão de cidade mas gostei muito de ver na internet estas casinhas de campo. Claro que o facto de estar confortavelmente sentado numa cadeira de braços e a trincar uma bolachinha de aveia valorizou a minha apreciação (experimentem fazer como eu e vão ver que rico bocadinho se passa a ver as imagens).

Mesmo assim, pese embora a bolachinha ser confeccionada com um melaço de primeiríssima qualidade, não deixei que a gula me turvasse o juízo crítico. Quanto muito admito uma ligeira subida de baba canina, um fenómeno que não consigo controlar, mas essa vantagem subjectiva na apreciação foi bem corrigida pelo facto de as trincadelas me terem feito perder alguns pormenores das obras de arte.

A verdade é que quando o meu mordomo me levou a passear à província vi muitas casinhas parecidas, mas ao vivo raramente me pareceram tão acolhedoras como estas. A minha preferida é a que partilho convosco aqui em cima. Eu sei que as janelas são pequeninas, mas já repararam no quintalinho? Numa casinha assim eu passava o tempo todo na rua, a enterrar as minhas preciosas pepitas naquela terrinha deliciosa.

Até vos digo: se não estivesse tão viciado no meu bairro e ocupado com uma cadelinha pastora alemã que costumo encontrar na esplanada mudava-me para lá nos próximos dias.