domingo, 30 de março de 2008

Assim não tem graça


Como devem imaginar eu não dou grande valor ao dinheiro. Se acabassem com ele não morria. Já sei que me vão atirar ao focinho que como papinha de marca e que o meu mordomo paga mais de 50 moedas das vossas por cada saquinho. Mas eu até prefiro outras iguarias, abundantes no meu bairro. E sou perito em trocas. Sento-me à beira dos casalinhos na esplanada, faço olhinhos de carneirinho abandonado e lá vêm abundantes pedacinhos de tosta mista. Apanho os estrangeiros a gozar um almocinho, volto a fazer ar de carneirinho e provo de tudo. O Tio David da churrascaria e o Senhor Costa do café a mim também não me cobram nada. Ainda ontem jantei uns carapauzinhos que me souberam pela vida.

Essa coisa do dinheiro aborrece-me. Ainda me custa ver o mordomo sair de casa sem me levar com ele, com uma pastinha na mão e camisa lavada e sempre com a mesma conversinha para eu não ficar zangado e desatar a espalhar pedacinhos de jornal pela sala. Diz ele que vai trabalhar para poder comprar papinha para mim. Eu ainda lhe tento explicar que era melhor irmos para a praia, que passo bem sem as bolinhas de ração, mas ele não me ouve. Nunca me ignora tanto como nesses momentos em que fala de trabalho.

O que mais me irrita é que o mordomo costuma receber umas cartas das Finanças. Quando ele sai e me deixa sozinho ponho-me a ler aquilo. Descobri que as Finanças são um canil muito grande porque se fartam de sacar dinheiro ao mordomo para comprar papinha para os cães deles. Levam-lhe quase metade do ordenado e ainda ficam com um quinto das moedas que é preciso juntar para trocar por sacos de papinha e por quase todas as coisas que entram cá em casa.

Eu não concordo nada que metam o nariz nos meus biscoitos mas o meu mordomo, que é o mais prejudicado, costuma dizer que é necessário. Claro que às vezes apanha umas fúrias a ver televisão e a discutir esses assuntos com os amigos mas, no fundo, ele é um conformado. Tanto que me habituei a pensar que nas Finanças eles estão a criar umas lindas cadelinhas de pêlos loirinhos e muito simpáticas que não tarda me vão bater à porta para dividir o colchão.

Andava eu a preparar-me para estar à altura desse momento, a enrolar cobertores, quando reparei no Expresso caído no chão do quarto. No caderno de "Economia" eles contam que, afinal, as Finanças andam a esconder as moedas nas Bahamas, nas Bermudas, nas Antilhas holandesas e noutros sítios distantes a que chamam paraísos fiscais.

Fiquei furioso e comi logo um pacotinho de bolachas (adivinharam, estou de castigo mas é por uma causa justa). Eu julgava que eles investiam em cadelinhas portuguesas para eu não ter de me dar ao trabalho de sair do meu bairro
. Vou dizer ao meu mordomo que temos de comprar bilhetes de avião e começar a fazer essas viagens. Ele enterra lá o dinheirinho dele e eu aproveito para conhecer essas cadelinhas estrangeiras antes que elas percam o cio de tanto esperar por mim. Comigo darão sempre uns belos filhotes de raça.

domingo, 16 de março de 2008

O meu obrigado



O meu mordomo andou quinze dias perdido em Cuba. Fiquei irritado e até fiz greve.

Mas depois soube que a Manelita tinha tomado conta dele e fiquei contente.

Amanhã eu quero vê-la na televisão. E estou à espera de ir ao Algarve para lhe dar uma lambidela. Não é preciso biscoito.

sábado, 15 de março de 2008

Quero os meus biscoitos


Gostei de saber que o senhor que implicam com ele porque é engenheiro, pese embora tenha faltado à grande maratona dos professores, continua a correr todas as semanas, ainda que menos acompanhado.

Também achei graça ao bonequinho. Mas o que me partiu o coração foi vê-lo dizer que é muito generoso. Ainda bem que tenho o meu lindo focinho coberto de pêlos loirinhos porque corei de emoção e não quero que ninguém saiba das minhas fraquezas sentimentalistas.

Imagino que daqui até às eleições toda a gente o vá enterrar em pedidos escandalosamente caros. O meu é mais modesto. Faço-o já para não perder a vez. Quero um pacote de biscoitinhos de carne, que os meus acabaram ontem.

Como o mordomo pôs um autocolante na caixa do correio a rejeitar publicidade em casa sugiro que mos envie para a churrascaria do Tio David, ao Largo da Graça, Lisboa. Eu depois passo lá a levantá-los.

Não é preciso lacinho nem embrulho em papel fantasia. Agradeço é que os biscoitinhos venham hermeticamente fechados na embalagem de fábrica. Caso contrário zango-me e devolvo-os à procedência sem trincar nenhum, não vá aquele colaborador de bigodinho do senhor que é engenheiro confundir-me com um pitbull.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Os costas



Quando vi esta fotografia da maratona de Lisboa, a que só faltei eu e o senhor que estão sempre a implicar com ele por ser engenheiro, não vi logo que havia gato à mostra. Mas eu costumo visitar a lojinha do queijo limiano na internet porque cá em casa só tenho direito às cascas e estou sempre à espera que o senhor José, que escreve muito bem, publique lá meia bolinha, ou pelo menos uma fatia gordinha para me consolar como leitor assíduo.

Ele continua a preferir outros assuntos. Como é desconfiado por profissão deve ter medo que eu me console para sempre e deixe de ir à lojinha todos os dias. Desta vez conta o José que a senhora que aparece na fotografia com ar de quem quer comer a outra que é ministra é mulher do senhor Costa. Ainda julguei que fosse a legítima do senhor Costa da pastelaria do bairro, um doceiro de primeira água que me dá salgadinhos deliciosos sempre que lá vou. Estive quase a dar à senhora uma lambidela em sinal de reconhecimento. Afortunadamente, por instinto de desconfiança animal, guardei a língua a tempo de ler o textinho do José.

Não gosto de dar confiança a estranhos. E esta senhora que está a pedir que lhe metam a outra que é ministra bem no meio dos dentinhos afinal é só a mulher do outro Costa, aquele que se mudou da casinha do Governo para a casinha de Lisboa - que não é tão grande mas sempre tem mais futuro.

Nos dias que correm só não percebo o espanto do José. Não devemos viver no mesmo bairro.

domingo, 9 de março de 2008

A MARATONA DE LISBOA


Estou um bocado aborrecido porque o mordomo não me levou à manifestação. Eu estava doido por ver aquelas ruas todas sem carros e cheias de cheirinhos do Minho ao Algarve que os professores trouxeram para Lisboa. Ainda por cima, vi depois na televisão, montaram lá umas barraquinhas de salsichas no pão. Os idiotas chamam àquele petisco delicioso "cachorros quentes". Mas eu nem preciso da mostarda para engolir o pãozinho todo e fazer pepitas dessa piadola de mau gosto.

Perdi a oportunidade de manifestar o meu bom gosto mas não perdi pitada do que aconteceu porque ontem esqueci-me do Canal Panda, o meu preferido, e passei a tarde a ver notícias na televisão. Julguei que ia ver o senhor com quem estão sempre a embirrar por ser engenheiro mas ele não apareceu. Parece que resolveu mudar as regras da etiqueta. Em vez de receber as pessoas e de pagar a todas uma rodada de pãezinhos com salsichas mandou na véspera um amigo dele a Chaves. A mudança de regras tão antigas foi tão repentina que ninguém percebeu a gentileza vespertina do enviado especial.

Aquele senhor careca que tem óculos e espeta muito o dedo quando fala no Parlamento chegou a Chaves num carro muito bonito e foi mal recebido. As pessoas devem ter interpretado que ele não queria que fossem elas a disfrutar da viagem. Ficaram decepcionadas. Então, se até os polícias já tinham ido às escolas delas saber quem queria vir, deixando-as seguras de que a deslocação não tinha riscos, para quê antecipar a conversa? O senhor careca de óculos ficou de dedo espetado e até disse muitas coisas sobre liberdade mas não conseguiu quebrar a firme relação estabelecida entre as pessoas e a polícia.

De maneira que ontem foi um dia lindo. Nunca o senhor que implicam com ele por ser engenheiro tinha tido tanta gente junta por causa dele. A polícia, como sabe que ele gosta de correr em segurança pelas ruas, aproveitou e cortou o trânsito. Estava tudo bem preparado para a maior maratona de Lisboa, se descontarmos o facto de faltar eu. Mas o senhor que é engenheiro e desata a correr em todas as cidades que visita desta vez não quis participar. Não fora as salsichinhas ainda serem uma comidinha acessível e a grandiosa maratona de Lisboa tinha descambado numa fome colectiva. Tenho estado a pensar no que o terá levado a faltar a uma corridinha tão boa mas, como nele ninguém manda, não encontro explicação
.

terça-feira, 4 de março de 2008