terça-feira, 14 de outubro de 2008

Os problemas de liquidez


Li no Diário de Notícias, que é um jornal que explica sempre as coisas muito direitinhas, que "o Banco Português de Negócios (BPN) recorreu ontem à Caixa Geral de Depósitos (CGD) para resolver uma situação emergente de falta de liquidez. Segundo o DN apurou junto de fontes ligadas ao banco presidido por Miguel Cadilhe, o BPN contraiu um empréstimo de 200 milhões de euros junto do banco público, para poder responder aos compromissos mais imediatos da sua gestão".

A notícia impressionou-me muito. Não pelo montante do empréstimo, que eu não ligo a futilidades, mas porque sou muito sensível a problemas de falta de liquidez. Eu preciso muito de liquidez para controlar o meu bairro. É uma trabalheira. Preciso de liquidez para o corrimão da minha rua, para a porta da lavandaria que fica na esquina da minha rua, preciso de liquidez para a primeira árvore a seguir à passadeira dos bombeiros e para a segunda árvore à saída da passadeira dos bombeiros, preciso de mais liquidez para as escadinhas número três, quatro, sete e última que dão acesso ao snack da esquina, para o cantinho da rua por cima da escadaria, para as árvores todas até aos táxis, de mais liquidez ainda para marcar o território do bar onde costuma estar o palerma do Gingão, que é aquele labrador adolescente que tem a mania de querer falar comigo, e de liquidez de sobra para a segunda passadeira e para a calçada da Igreja, da porta da frente às traseiras passando pela alçada que é mais comprida do que eu cinquenta vezes.

Gasto tanta liquidez pelo caminho que quando chego à esplanada entro em gestão de activos líquidos. Levanto as minhas belas patas posteriores à vez, com o mesmo estilo mas maior avareza, para poder continuar a levantá-las as vezes todas recomendáveis a uma boa gestão do meu bairro. O pior é quando chega a hora do jardim. Ou o João e o Gi, que são os senhores da esplanada, me servem umas tacinhas de água de reforço, ou só com muita concentração cumpro as minhas obrigações para com aquela magnífica relvinha e os canteirinhos. Já dei comigo a pedir desculpa a um craveirinho: não te ofendas que amanhã, quando eu voltar, há-de chegar a tua vez.

O problema da falta de liquidez atormenta-me todos os dias desde muito novo. Eu sabia que um dia ia aparecer uma solução, mas não julguei que fosse preciso ter esperado tanto, até que as coisas ficassem todas de patas para o ar. Bem dizia o senhor ministro que fechava as urgências todas para se divertir que as crises são boas oportunidades. Até hoje preparei-me sempre para a falta de liquidez em casa, bebendo rapidamente cada bebedouro de água fresquinha que o meu mordomo me servia. Agora já sei que não é preciso sofrer tanto a inundar a minha sensível bexiga para depois ficar ansioso por sair de casa. Agora vou beber com a parcimónia adequada à minha raça e esperar que o meu mordomo se decida a largar o computador. Podemos até sair às três ou quatro da manhã. Basta-me uma pequena mudança de percurso. Quando atravessar para o outro lado da segunda passadeira, a seguir ao Gingão, viro à direita em vez de virar à esquerda. Nesse passeio há logo uma Caixa Geral de Depósitos. Entro o tempo necessário para apresentar as minhas garantias e só depois volto decidido para a esplanada, o jardim e o craveirinho.

domingo, 5 de outubro de 2008

O INFO-EXCLUÍDO

Bem sei que já não há dinheiro para aquelas obrinhas imprescindíveis do aeroporto e do TGV. Percebo que não vai dar jeito nenhum ficarmos sem aviões e comboios numa altura em que o gasóleo está tão caro e ninguém pode andar de carro a não ser aqui no meu bairro (mas isso é porque o meu bairro é de gente muito fina). E até sei, suprema desgraça, que o Sporting de Portugal perdeu com o clube espanhol do bairro de Carnide.

Mas talvez não fosse caso para este senhor decretar "o fim da prosperidade" e dizer que "acabou o Mundo tal como o conhecíamos". Fiquei tão intrigado com o apocalipse deste senhor tão simpático que roubei a agenda de contactos ao meu mordomo e investiguei pessoalmente o assunto. Ao cabo de dois telefonemas em off, três pressões e quatro ameaças de processo fiquei a saber tudo. Este senhor está triste porque não lhe deram um Magalhães para ele brincar, com a desculpa de que já não tem idade para se matricular numa escolinha primária.

Para ele foi um choque tremendo ter de continuar a trabalhar num gabinete de ministro sem o sofisticado controlo parental português que dá acesso gratuito a belas raparigas nuas do Mundo inteiro. Sentiu-se velho pela primeira vez na vida. Já estava muito triste quando ligou a televisão e viu os amigos todos a fazer serviço público. Foi então que, no seu íntimo, se apercebeu info-excluído da propaganda do Governo. O senhor chorou muito de desgosto durante dois dias e duas noites. Depois acordou e resolveu resistir à crise como o senhor que implicam com ele por ser engenheiro mandou que se resistisse. Vai daí vestiu uma túnica branca e saíu para a rua a preparar as eleições e a reforma.