segunda-feira, 30 de junho de 2008

A FÚRIA E O FURACÃO

Sou um cão sem complexos. E aquela cadelinha pastora alemã espanhola que conheci há uns meses era uma simpatia. Por isso, ontem fiquei alegrete.

Gostei sobretudo de ver aquela equipa de frigoríficos alemães agarradinha à relva, sem cheirar a bola. Viu-se agora que são uns electrodomésticos de classe D, que gastaram a energia toda a dar patadas no menino joãozinho de oiro e no nosso inadap(a)tado defesa esquerdo. Claro que devíamos ter sido nós a desligá-los da corrente. Mas os espanhóis têm um touro e eu, que não tenho cornos mas sou bem provido de dentes, não fui sequer convocado.

Pode ser que o furacão que levou o sargentinho ponha cá outro, mais esperto para a bola do que para outras coisas.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

QUERO JUSTIÇA!


Hoje estou furioso. Já contactei o primo do mordomo, que é advogado, para darmos entrada com um processo. Não pode é ser no tribunal da Casa Pia porque eu não tenho bolas de futebol para apresentar como prova, nem estou disposto a esperar quatro anos para que me resolvam o problema. O melhor é irmos direitos ao Tribunal de Justiça europeu, cuja jurisprudência me oferece mais garantias.

E o meu problema é que hoje o meu direito fundamental preferido foi ostensivamente violado. Isso mesmo. Foi-me negado o pleno usufruto do direito de qualquer cão a namorar uma cadelinha. Ia eu com o meu mordomo muito contentinho depois de comprarmos o jornal quando ela apareceu como um cometa no passeio. Os meus pêlos loirinhos estremeceram todos só de verem os pêlos branquinhos dela. Uma cadelinha da minha raça, de quatro anos e toda branquinha, como eu gosto, porque é sinal que não anda demasiado ao Sol e mantém uma conduta recatada digna dos mais ilustres dos nossos antepassados.

Que devia eu fazer a uma cadelinha que me entra no bairro à saída da adolescência? Namorá-la, claro. Primeiro com toda a cortesia, depois com toda a força. Foi o que fiz. Apresentei-me, causei-lhe de imediato boa impressão, dei-lhe uns beijinhos e fui interrompido no melhor do nosso encontro pelo pelintra do mordomo dela. Que sim, que ela estava com o cio, disse o bruto, como se fossem termos para falar de uma senhora. Mas que não, que não podia ser, porque não lhe dava jeito a ele, o inútil, talvez daqui a seis meses, quem sabe.

O meu mordomo e eu saímos dali com o orgulho ferido. Não reagi logo à dentada para não embaraçar a minha conquista. Mas não me conformo. Já sei onde ela mora. Como o advogado me disse que não há por aí um único tribunal capaz de resolver a coisa mais cedo vou fazer Justiça pelas minhas próprias patas e ficar à espera de uns belos cachorrinos como prova.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

CEGUETAS


O mordomo bem avisou que as listas de espera de Oftalmologia são uma vergonha em Portugal. Mas alguém podia ter metido uma cunha para o nosso guarda-redes ter sido operado a tempo.

A nossa desculpa é que os suecos também têm o mesmo problema lá na terrinha deles. Caso contrário o palerma do árbitro tinha visto a falta deste calmeirão que só serve para dar patadas na bola e no menino joãozinho de oiro. E nós, mesmo ceguetas, tínhamos ganho o jogo nas calmas.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

SEPARADOS À NASCENÇA

Konrad

Olegário
Estes dois andaram juntos na escolinha. A minha única consolação é saber que o de cá também vai ficar careca depressa.
Ontem fiquei tão nervoso que liguei ao meu médico, um reputado especialista da Faculdade de Medicina de Lisboa.

O senhor professor explicou-me que quando um senhor do apito mete palas é porque julga que os outros são burros. Mas burros são eles porque essa doença dá queda do cabelo e outros sintomas que é melhor não divulgar para já, para eles não perderem a surpresa.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

OS CABEÇUDOS


O mordomo às vezes adormece a ver os jogos porque diz que o campeonato anda chato. Mas eu fico a ver até ao fim. Quero estar preparado para o caso do pitbull, que já anda cansado, se magoar. Sou o substituto natural dele e só não fui convocado de início porque o sargentão é um conservador e quer aprender inglês, língua que eu não domino tão bem como o Paulo Ferreira, o Ricardo Carvalho ou mesmo o namorado da Nereida, que apesar do sotaque madeirense aprendeu línguas na academia de Alcochete.

Como estou sempre em forma tenho concentrado o meu treino na táctica. Vi o meu mordomo aos gritos cada vez que os checos mandavam a bola pelo ar (nos jogos de Portugal ele não consegue passar pelas brasas) e hoje li o speziale a dizer que estivemos à rasca, caim, caim, nessas jogadas. Se fosse só o meu mordomo a preocupar-se eu não ligava, mas o sacana do Mourinho sabe sempre de onde vem o mau agoiro em todas as línguas (a excepção agora é o português, mas ele tem de ser saloio nalguma coisa).

Aqui na sala e nas minhas saídas ao jardim comecei a correr de patas dianteiras no ar. Fico mais alto do que o menino joãzinho de oiro, o mágico e o próprio pitbull. Percebi que ganho em estilo. Os meus pêlos loirinhos do peito abanam mais ao vento do que a cabeleira do Veloso e iam dar melhores fotografias para a primeira página do Record (já estou a ver a manchete depois da minha feérica estreia: Petrificados). Só é pena que na minha versão bípede demore mais tempo a esconder a bola e a morder as canelas dos adversários nas transições defensivas.

O convite que recebi ontem para conselheiro do senhor de Portugal e de Boliqueime (não digam a ninguém, porque é Segredo de Estado) levou-me a rever as fotografias de Viana, uma cidade onde passo muitos fins-de-semana. Foi aí que tive uma iluminação táctica.

Em Agosto os vianenses organizam uns jogos sem bola naquela pracinha à saída do Manuel Natário. Se nunca provaram os rissóis, as empadas de lampreia e as bolas de Berlim do Manel é natural que não percebem nada de futebol. Mas eu conto-vos como é. Há várias claques a tocar bombo e depois duas equipas: uma de gigantones, tipo aquele checo de três metros de altura, e outra de cabeçudos, tipos baixinhos como o menino joãzinho de oiro, o mágico e o pitbull.

Os gigantones dão mais nas vistas mas mexem-se mal e encostam depressa ao castelinho. Os cabeçudos cercam os outros por todo o lado e correm mais até ao fim. Como aconselha o speziale, que não fala português mas já deve ter ido a Viana, os cabeçudos marcam os gigantones à zona porque não se pode marcar homem a homem anormais como aquele checo que é uma ameaça permanente para a bola. A solução é correr mais do que eles e marcar mais golos.

O nosso problema na final grega não foi ter sofrido um golo: foi não ter marcado nenhum. Uma desgraça, porque tínhamos rapazes e até respeitáveis velhinhos (lembram-se do Rui Costa antes de ele andar por aí de fatinho?) para marcar três ou quatro. Se voltarmos a jogar para empatar em altura temo o pior. Deixem-me atacar junto à relva e eles vão ver.

terça-feira, 10 de junho de 2008

O DIA DA RAÇA


Eu devia ser conselheiro de Estado. Não é que a função me agrade. Preferia jogar a trinca no Sporting ou atender ao balcão no talho do Sr. Manel (obrigado pela carninha Manelito, estava muito boa!).

Mas nós temos que estar disponíveis para a Nação, sobretudo nos piores momentos (piores são os momentos em que as pessoas se sentem ainda mais zangadas do que quando estão mal, porque mal estão há muito tempo). Não, não me passaria pela ideia cumprir serviço militar. Não gosto da ração de combate. E não aguentava aqueles desfiles e movimentos todos a toque de corneta.

Ainda hoje os vi, aos pobres, horas ao Sol em pleno Campo D'Agonia. Em vez de irem atacar o arrozinho de peixe da taberna do Valentim, ou o churrasquinho da Zefa Carqueja, andaram às voltinhas em carros de guerra como se estivessem no Iraque. E os coitados que não tinham carro ficaram ali sossegaditos, de pé, à espera da corneta para mexerem um bocadinho as espingardas ou dar um passinho para o lado.

Conselheiro de Estado era outra coisa. É certo que no palácio de Belém, pelo que vi na recepção aos jogadores, é só sumos e coca-colas, deve haver falta de biscoitinhos. Mas quando os camionistas voltarem a circular talvez deixem lá um carregamento.

Ao contrário do que aconteceria no talho, em que o único beneficiado com o emprego iria ser eu, que sou cão mas não sou parvo, já como conselheiro de Estado mostrar-me-ia muito útil ao senhor Presidente. Sou um cão de raça com tradição na caça (era assim que deviam chamar à política) e muito bem informado. Por exemplo, conheço muito bem Viana. Os conselheiros dele devem ter-lhe dito que, no meio desta aflição, era o sítio ideal para fazerem uma festinha em grande porque os minhotos são muito simpáticos. Pois são, mas tê-lo-ia avisado de que não são parvos
.



A maior desgraça da falta de conselheiros à altura abateu-se sobre o senhor com quem só implicavam por ser engenheiro e agora implicam por tudo. Foi assobiado e vaiado. A simpatia dos minhotos desta vez restringiu-se à representação oficial. Só as lavradeiras trajadas de vermelho lhe bateram palmas, talvez porque o Benfica, afinal, sempre vai jogar um jogo da Liga dos Campeões.

Uma coisa é ele ir lá fazer uma corridinha. As pessoas gostam, porque gostam sempre de o ver fazer alguma coisa que não faça mal a ninguém. Outra é aparecer com o mesmo fatinho e gravata unicolor com que passa a vida a dar más notícias na televisão.

Com era o dia da raça, só se eu lá estivesse teria havido palminhas.

Aproveito a efeméride para declarar que tenho alguns problemas com os pitbull, mas até gosto das raças todas. Claro que cadelinhas pitbull como a Mimi da esplanada só há uma, mas isso é assunto privado. Do domínio público é só o meu conselho:

Os minhotos, que eu conheço muito bem, são simpáticos. Mas não são parvos.