sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A COOPERAÇÃO INSTITUCIONAL

Eu tenho muitas dificuldades com a cooperação institucional. O meu mordomo, este Verão, levou-me para o Algarve com uns amigos dele e outro canito chamado Ruckie. Quando o vi entrar na mala do carro rosnei-lhe e passei a viagem a tentar arrumá-lo no lugar dele, que obviamente era do lado de fora. Quando ficámos os dois a sós pela primeira vez em casa, sem testemunhas, como convém, começou a violência doméstica. Eu tratei de tomar conta do sofá quando ele queria ir para o sofá e ele de ocupar o terraço quando eu queria ir para o terraço. Com o passar dos dias, cansados daquilo, optámos pela mútua ignorância. Foi a forma mais avançada de cooperação institucional que lográmos alcançar. Acho que não chegou para preencher os requisitos desse supremo entendimento entre dois seres vivos, para mim impensável, a que os biólogos chamam simbiose, mas foi o que se pôde arranjar.

É por isso que eu me comovia tanto com estes dois senhores. Eles eram sempre tão bonitos quando apareciam juntos. Sorrizinhos, abraços, palavras mimentas. Pareciam um casalinho enamorado, ainda por cima para nosso bem. Era até fascinante vê-los na televisão. Toda a gente lá aparecia a dizer mal desta vida, mas eles os dois não. Falavam de desafios, desígnios e oportunidades. Vendiam saúde, coragem e confiança a uma só voz. Aquilo era mesmo inspirador. Quando mostravam as imagens das reuniões deles comecei a baixar o som às reportagens para pôr a tocar aquela música tão bonita do Kenny Rogers e da Sheena Easton. O meu mordomo, quando chegava a casa, ficava muito aflito ao dar com umas lágrimas secas no meu lindo focinho, mas nunca soube a verdadeira razão. Eu também nunca lhe disse, por medo de abalar seriamente a profunda admiração que ele tem pelas minhas qualidades intelectuais e pelo meu faro político e porque posso ser um sentimentalão mas nunca deixo de ser um cão esperto. E quando o meu mordomo pensa que estou triste chovem os biscoitos e leva-me mais depressa à rua.

O drama é que deixei de saber que música hei-de eu pôr a tocar quando vejo estes senhores. Para começar, agora aparecem sempre separados. Mas se fosse só isso eu não estava tão preocupado com o nosso futuro. O pior é que o da direita começou a fazer comunicações ao país para falar mal do outro. Eu, que sei bem o que isso é, percebi bem o rosnar solene desses momentos. Depois, o senhor da esquerda começou a mandar os amigos dele responder ao outro. Ainda tive esperança que os dois trocassem uns bilhetinhos secretos e ultrapassassem as divergências para nosso bem. Mas não. Começaram os dois a devolver leis um ao outro.

Não prevejo nada de bom. Não sei porquê estes dois senhores fazem lembrar a minha história com o Gingão, um jovem labrador que me costuma aparecer a caminho da esplanada. De início ele rosnava e eu dava-lhe desprezo. Depois comecei a rosnar-lhe também. Até que um dia ele levantou-me as patas e eu dei-lhe uma trinca.



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